A periferia é uma coisa estranha de se explicar, feliz de se viver. Estranha, pois traz mazelas em seu meio que parecem difíceis de se conviver com elas. Criminosos, boêmios, malandros se misturam a donas de casas, trabalhadores, estudantes tal qual aquele estranho “ecossistema” que habita as plantas carinhosamente conservada por nossas mães.
E o que dizer do descaso do poder público, da classe média que embrutece nossos corações? Feliz de se viver, pois a solidariedade e a cordialidade mesmo não sendo exclusividade destes cantos dos grandes e médios centros urbanos, encontram cá sua mais produtiva morada. Na periferia, se morre de fome mas não se morre sozinho. Se o dito popular diz que mãe só se tem uma, a periferia desmente, pois mãe de periferia é um pouco mãe de todos!! Todavia, o samba da laje e a cerveja e o baralho mais o dominó não são tesouros que se desfrutam só. "Eu sei, você sabe o que é frustração/ máquina de fazer vilão". Quem canta os versos dessa canção dos Racionais Mc's sabe perfeitamente se tratar de um sentimento que se tem todo dia na periferia.
Eu vi na periferia de São Paulo -como na do Recife ou do Rio de Janeiro- o tráfico de drogas, a gravidez precoce, o analfabetismo funcional por conta da negligência da educação pública. Mas também vi na periferia de São Paulo o rap, o samba, o teatro, o graffiti. Vi artistas decifrarem seus espaços através deste viés de resistência ao sistema que é a arte, a cultura. Resistência na medida em que confunde esse mesmo sistema ao sorrir e se deleitar com o batuque dos botecos ou as cores vivas do grafite, sendo que na rua onde se mora, corre o esgoto a céu aberto ou uma criança padece de subalimentação.
Se o bem e o mal convivem num enlace onde um não vive sem o outro, não se confunda: é na periferia que isso se dá de forma tão clara. Pois é lá que a vida pulsa, berra, sofre, chora, ri. É na periferia que o batuque rola solto, as cores são mais vivas e o sorrir é mais franco. Vida longa à periferia e aos seus artistas seja das tintas, da música ou do dia-a-dia. A periferia já tem seu lugar no céu.